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Para Ofélia.
- Quem é você? – Ela me perguntou naquela noite.
- Sou sua consciência. Seu anjo da guarda – respondi.
Mas talvez essa não seja a melhor maneira de começar essa estória...
Era uma vez uma garota que já não era menina, tampouco era mulher. Ela não era, pois vivia fora do tempo, no meu tempo, e nem mesmo eu sei como conseguiu tamanha proeza. Seu nome? Ela tinha vários. Alice, Helena, Laura, Maria, Joana... Mas vamos chamá-la de Ana. Só Ana.
Ana viveu boa parte de sua vida dentro das regras, ela era o orgulho de seus pais e suas mães. Só tirava boas notas quando esteve na escola, falava várias línguas, tocava alguns instrumentos e ainda fazia trabalhos voluntários.
Pessoas são influenciáveis. Sim, todas elas. Mas não Ana. Ela tinha sua própria opinião. Ouvia novas idéias, registrava, pesquisava, estudava e decidia. Portanto, estão errados aqueles que disseram que foi influencia de amigos. Não foram os amigos. A semente do mal veio com o vento e se instalou em seu coração puro. A culpa é do vento.
“O que está acontecendo com você?” seus pais e mães perguntavam.
“Eu só quero mudar” ela respondia.
E ela mudou. Mudou seu guarda roupa, usou os mais excêntricos cortes de cabelo e todas as cores de maquiagem. Mudou seu estilo de música, mudou de casa, de carro, de nome, mas ainda era Ana. Só Ana.
Eu já estava perto dela nesse tempo. Algumas das escolhas que ela fez foram sussurradas por mim. Eu a fiz conhecer as pessoas certas e procurar nos lugares certos. Ela se tornou uma amante cruel, imperfeita... Foi quando clamou por mim pela primeira vez.
Não a respondi de imediato, é claro. Ela precisava se alimentar.
Ana sugava segredos e não os dividia. Quando estava pesada o suficiente, quando enxergava em vermelho e sentia cheiro de maçãs pela manhã eu me fiz visível.
- Quem é você? – ela me perguntou naquela noite.
- Sou sua consciência. Seu anjo da guarda.
Ana acreditou em mim.
- Você sabe? – Ela perguntou, só pra ter certeza.
- De tudo.
Nos arrastamos pela cidade. Ela estava muito pesada em meus braços, e quando não conseguia andar eu a carregava nas costas.
- É aqui – sussurrei, gentilmente.
O sol estava nascendo e seu reflexo brilhava nos olhos de Ana e no rio que rugia a alguns metros abaixo dela.
- Não há perdão – ela falou baixinho. Eu concordei com um gesto.
A gravidade machucava.
- Você sabe o que fazer – eu disse.
Então ela escorregou, e todo o peso que ela carregava a puxava cada vez mais para baixo na água gelada.
Primeiro sentiu o cheiro das maçãs, depois ouviu a água invadir seus pulmões. Ela achou que eu era o sol brilhando através da morte, dizendo adeus enquanto todos os segredos escorriam de seu corpo.
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What the Water Gave me
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escrito por Marcos Wesley
Originalmente publicado em http://espontaneomw.blogspot.com/2011/09/o-que-agua-me-deu.html
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